A Demência com Corpos de Lewy (DCL) é a segunda causa mais comum de demência neurodegenerativa, atrás apenas da Doença de Alzheimer (Demência Vascular é mais comum que DCL, porém não é uma doença degenerativa).
Apesar de não ser incomum, a DCL ainda é pouco conhecida, e corresponde a cerca de 5 a 7% dos casos de demência. Contudo, este número pode ser ainda maior devido ao existe subdiagnóstico, já que frequentemente é com Doença de Alzheimer e Doença de Parkinson.
Diferente da doença de Alzheimer, o cérebro de indivíduos acometidos pela Demência com Corpos de Lewy acumula, de maneira progressiva, uma proteína chamada alfa-sinucleína – também presente na Doença de Parkinson e Atrofia de Múltiplos Sistemas (chamadas alfa-sinucleinopatias). A deposição destas proteínas no cérebro se inicia muitos anos antes do início dos sintomas clássicos da doença, e inicialmente podem causar sintomas prodrômicos, como leve dificuldade cognitiva, alterações de sono, delírios ocasionais.
A apresentação da Demência com Corpos de Lewy é bastante peculiar, principalmente com o avançar da doença, quando grande parte dos achados clássicos estão presentes. O principal sintoma da DCL é o declínio cognitivo que, diferente do que ocorre na Doença de Alzheimer, costuma comprometer de maneira mais importante funções executivas (atenção, organização, planejamento, controle de respostas, flexibilidade mental) e visuoespaciais (percepção e manipulação de informações visuais, que nos permitem localizarmo-nos no espaço e montar mapas mentais). Com o avançar da doença, o comprometimento da memória também costuma ocorrer.
Outro sintoma bastante comum na Demência com Corpos de Lewy, é o parkinsonismo, que é definido pela presença de pelo menos um dos seguintes: bradicinesia (lentidão dos movimentos), tremor de repouso e rigidez muscular. Como o próprio nome sugere, estes achados estão presentes também na Doença de Parkinson, levando frequentemente a confusão diagnóstica. Diferente da DCL, na Doença de Parkinson o declínio cognitivo costuma ser tardio, muitos anos após o início dos sintomas motores.
O parkinsonismo é causa de grande preocupação, já que pode comprometer a mobilidade do paciente idoso, que frequentemente já apresenta comorbidades que dificultam a marcha, aumentando sobremaneira o risco de queda.
Curiosamente, pacientes com DCL podem manifestar uma alteração muito peculiar do sono, chamada de transtorno comportamental do sono REM. Apesar de não ocorrer exclusivamente na DCL (ocorre também na Doença de Parkinson e Atrofia de Múltiplos Sistemas), sua presença é um alerta para se considerar este diagnóstico, já que pode surgir até 15 anos antes do restante dos sintomas. Ele ocorre em uma fase profunda do sono, chamada de sono-REM (do inglês, Rapid-Eye-Movement), com a presença de movimentos bruscos e violentos dos membros, como que agindo durante os sonhos, que costumam ser vívidos. Geralmente percebido pelo companheiro de cama, que pode receber socos e pontapés, costuma ocorrer predominantemente na segunda metade da madrugada.
Outro fator que pode confundir o diagnóstico da Demência com Corpos de Lewy, principalmente para pessoas menos habituadas com a doença, é a presença de alucinações, principalmente visuais. Evidentemente este é um sintoma que, quando ocorre de maneira isolada, dificilmente levanta suspeitas para uma doença neurológica degenerativa. Portanto, existem características destas alucinações que nos remetem à Demência com Corpos de Lewy:
Predomínio de alucinações visuais (mais raramente alucinações auditivas, sensitivas, ilusões ou delírios)
Alucinações costumam ser complexas, que são visões formadas de pessoas, animais ou objetos, diferente das alucinações visuais simples, que são constituídas pela presença de cores, pontos brilhantes e manchas.
Frequentemente os pacientes têm insight sobre as alucinações, ou seja, percebem que o que estão vendo não são pessoas ou objetos reais, fato que raramente ocorre em transtornos psiquiátricos primários.
A flutuação de nível e conteúdo da consciência é também um sintoma peculiar, porém de difícil percepção e caracterização. Os pacientes com DCL podem apresentar períodos de um sono muito profundo e intenso, mesmo durante o dia, em que é muito difícil despertá-los, podendo durar horas. Alguns casos extremos podem até simular coma ou outras condições neurológicas graves.
O conteúdo da consciência também pode oscilar bastante, com momentos em que o paciente está mais atento, participativo, com boa memória, e outros em que o declínio cognitivo se manifesta mais claramente.
Muitos pacientes com Demência com Corpos de Lewy apresentam também a chamada hipersensibilidade a antipsicóticos. Esta é uma classe de medicações frequentemente utilizada para tratar sintomas comportamentais em pacientes com demência, como agitação, agressividade, delírios e alucinações. Pacientes com DCL podem apresentar importante piora do parkinsonismo ou mesmo do quadro cognitivo com baixas doses de antipsicóticos, que normalmente não causam esses efeitos colaterais.
Sintomas de disfunção autonômica, apesar de inespecíficos, são frequentes em pacientes com DCL, inclusive de maneira bastante precoce, muito antes dos sintomas clássicos, assim como o transtorno comportamental do sono REM. Os principais sintomas de disautonomia são: constipação, incontinência urinária, disfunção erétil, hipotensão ortostática (queda da pressão ao se levantar, geralmente manifestada por meio de tontura ou desmaios), sudorese e aumento da salivação (sialorréia).
Apesar da presença de diversos destes sintomas sugerirem o diagnóstico de DCL, nem sempre estão presentes desde o início do quadro, fato que dificulta o diagnóstico precoce. Além disso, muitas vezes é necessário que se questione ativamente sobre cada um destes sintomas, uma vez que os familiares podem não percebê-los, ou mesmo ter dificuldades em referi-los de maneira mais precisa.
Além dos sinais e sintomas clínicos, por vezes é necessária a realização de exames complementares para confirmar o diagnóstico. Os mais utilizados são: ressonância magnética, PET neurológico, exames laboratoriais e, em alguns casos, polissonografia. É importante ressaltar que nenhum desses exames isoladamente dá o diagnóstico de DCL, mas podem corroborar ou afastar suspeitas clínicas.
O tratamento, como na maioria dos casos de demência, envolve educação e orientação familiar. Neste momento, a relação médico-paciente/família faz toda a diferença. Confiança mútua e disponibilidade do médico em atender tanto às demandas do paciente, quanto dos familiares, são pilares essenciais na condução do caso.
Conhecer a causa dos sintomas, bem como possíveis complicações e prognóstico da doença é essencial para que a família desempenhe bem seu papel de cuidar do paciente, visando melhor qualidade de vida. Dicas e estratégias sobre como lidar com os sintomas cognitivos, comportamentais e motores nas diversas fases da doença são de extrema importância. Estímulos físicos, cognitivos e sociais também são importantes para manter a qualidade de vida do indivíduo com demência.
Assim como as demais demências de causa degenerativa, não há cura, mas existem medicações que contribuem com o controle dos sintomas. O tratamento farmacológico deve ser individualizado e varia de acordo com a fase da doença e os sintomas que causam maior prejuízo ao paciente.
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