Delirium

Uma das maiores demandas dos neurologistas é avaliar casos de confusão mental aguda, ou seja, indivíduos que se apresentam subitamente desorientados, desconexos, “aéreos”, agitados, agressivos. Tais sintomas podem ser manifestações de diversas condições médicas, e por isso, estes pacientes devem passar por avaliação criteriosa.

Em cada faixa etária há diagnósticos mais comuns para os estados confusionais. Em se tratando de idosos, o principal deles é o delirium, que por definição trata-se de um estado confusional agudo caracterizado por:

  • Início súbito (horas ou dias);
  • Oscilação do nível de consciência (desde mais sonolência até maior alerta ∕agitação);
  • Dificuldade em manter a atenção;
  • Alterações do ciclo sono-vigília (trocar o dia pela noite, sono entrecortado ou excessivo);
  • Curso flutuante (momentos de melhora alternando com momentos de piora).

O início do quadro costuma ocorrer de maneira rápida e, frequentemente, é acompanhado por sintomas comportamentais, como agitação, agressividade, alucinações (ex: ver pessoas que não existem, ouvir vozes) e delírios (ex: acreditar que está sendo perseguido, traído). Tais sintomas costumam gerar grande preocupação e angústia por parte dos familiares e, consequentemente à procura por ajuda médica.

Intuitivamente, podemos pensar que as principais causas para o delirium são primariamente neurológicas, como o AVC (acidente vascular cerebral), meningite, encefalite, epilepsia. Contudo, (pasmem!) as principais causas não são neurológicas, e incluem:

  • Infecções (mais comumente infecção urinária e pneumonia);
  • Desidratação;
  • Doenças cardíacas (infarto, insuficiência cardíaca descompensada);
  • Alterações metabólicas (ex: distúrbios do sódio, alterações da glicemia, insuficiência renal aguda);
  • Medicações (principalmente aquelas com ação no sistema nervoso central);
  • Cirurgias ou procedimentos médicos invasivos;
  • Mudanças ambientais (principalmente internação em leito de UTI).

Essa lista de potenciais gatilhos do delirium explica muitas situações curiosas. Vou citar uma delas, já que estamos em tempos de pandemia:

Recentemente uma pessoa me questionou se o COVID-19 poderia levar a comprometimento neurológico, pois seu familiar estava internado na UTI há 10 dias com este diagnóstico e passou a apresentar confusão mental e agitação, necessitando ser medicado e “amarrado” (contenção mecânica).
Respondi que sim, existem alguns relatos (ainda que escassos) de acometimento neurológico pelo COVID-19, mas provavelmente a causa dos sintomas neurológicos de seu familiar não estaria relacionada ao vírus em si, mas sim a diversos outros fatores: internação prolongada em UTI, infecção, procedimentos invasivos (como passagem de sonda para se alimentar), dentre outros.

Isso significa que o cérebro não sofreu uma lesão propriamente dita, mas sim está “sofrendo” com o restante do organismo. As infecções, os procedimentos e o estresse físico do organismo levam à produção de diversas substâncias inflamatórias que acabam por “desorganizar” o cérebro.

Uma questão que pode vir à tona é: “Mas então todos nós estamos susceptíveis ao delirium?”; “Se eu tiver uma infecção ou ficar desidratado, posso ficar confuso, sonolento, agitado?
A resposta é: Sim! MAS é claro que não temos todos a mesma chance: indivíduos mais jovens e sem doenças que acometam o cérebro tem menor chance de desenvolverem delirium, ao passo que idade avançada, déficit cognitivo, doenças neurológicas pregressas, múltiplas comorbidades (outras doenças) e uso de drogas psicoativas, aumentam o risco de maneira considerável.

Tratamento:

Após a identificação dos sintomas, o passo mais importante é a definição da causa de base, já que o delirium é um fator que indica maior gravidade clínica e maior risco de evolução desfavorável.


Desta maneira, infecções, desidratação, doenças clínicas e alterações metabólicas devem ser prontamente tratadas. Concomitantemente à melhora clínica, os sintomas de delirium passam a se resolver, ainda que isso possa demorar dias a semanas. Ainda, existem casos em que mesmo após a resolução da condição clínica e do delirium, percebe-se uma piora cognitiva permanente com relação aos níveis prévios do indivíduo, indicando que existe a possibilidade de danos permanentes ao cérebro (mais estudos ainda são necessários).

Além do tratamento da causa de base, devem ser implementadas medidas para manejo do delirium, que podem ser divididas em dois grupos:

  • Medidas não-farmacológicas (ambientais):
    • Manter o ambiente calmo e confortável
    • Manter a luminosidade do ambiente adequada ao momento do dia, contribuindo com a regulação do ciclo sono-vigília
    • Manter o paciente informado sobre a data e horário por meio de relógios, calendários e informando frequentemente o paciente
    • Manter o paciente fisicamente ativo, respeitando restrições individuais
    • Evitar dor e desidratação
    • Estimular a presença de familiares, amigos e pessoas cuja presença é benéfica ao paciente
  • Medidas farmacológicas:
    O uso de medicações em pacientes com delirium deve restringir-se a aliviar sintomas como agitação e agressividade graves (que não são contornáveis com medidas ambientais). A classe de medicações mais utilizada neste contexto são os antipsicóticos, que podem ter uma série de efeitos colaterais potencialmente graves em pacientes idosos (arritmia, sedação, aumento do risco de queda, descontrole de alterações metabólicas, dentre outros). Por isso seu uso deve ser criterioso, frequentemente reavaliado e pelo menor tempo e dose possível.

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