Dentro da investigação de queixas de memória, raciocínio, atenção e sonolência diurna, é importante avaliar a possibilidade de síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAHOS).
Indivíduos portadores desta condição, apresentam repetidas obstruções das vias aéreas durante o sono, levando a episódios de dessaturação (quedas) do oxigênio e fragmentação do sono, fazendo com que este não seja restaurador.
O sintoma mais comum da SAHOS é o ronco, porém muitas vezes ele não é percebido pelo paciente ou mesmo pelo(a) parceiro(a) de cama, que idealmente deve participar da consulta referente a queixas de sono. Assim, frequentemente o paciente traz queixas relacionadas à apneia do sono, que muitas vezes são inespecíficas, e cabe ao médico suspeitar desse diagnóstico. Os principais sintomas relatados em pessoas com esta condição são:
- Sonolência diurna (pode ter diferentes causas, mas a mais comum é a SAHOS)
- Despertar com sensação de falta de ar ou afogamento
- Sono fragmentado e pouco restaurador, levando a menor concentração e memória, irritabilidade e dor de cabeça pela manhã.
- Aumento da frequência de despertares para urinar durante a madrugada
Existe uma diferença entre os sexos com relação aos principais sintomas citados. As mulheres tendem a queixar mais de sintomas inespecíficos como dor de cabeça, fadiga, ansiedade, insônia, e menos comumente apresentam roncos, pausas respiratórias e apneias quando comparadas com homens com a mesma gravidade da condição.
Estes sintomas indiretos da SAHOS ocorrem por conta da fragmentação do sono e menor quantidade de sono REM (do inglês rapid-eye-movement), fase do sono mais profunda, importante para “descansar o cérebro”, permitindo o bom funcionamento dele no dia seguinte. O relaxamento muscular que ocorre em todo o corpo nas fases mais profundas do sono faz com que a língua e o palato colapsem, obstruindo a passagem de ar. A falta do oxigênio é percebida pelo nosso organismo, que “soa um alarme” para que voltemos a contrair esses músculos, permitindo o retorno da passagem do ar. Contudo, a cada vez que isso ocorre, pagamos o preço de superficializar o sono, aumentar a pressão arterial, contrair os vasos sanguíneos e jogar substâncias inflamatórias na corrente sanguínea.
As inúmeras fragmentações do sono fazem com que um dos sintomas mais comuns da SAHOS seja a sonolência diurna, que pode interferir diretamente na segurança de pessoas que dirigem ou trabalham com máquinas, mas também leva à perda de produtividade no trabalho, necessidade de cochilos durante o dia, dentre outras consequências. Frente a esta queixa, costumo usar em consulta um questionário bastante conhecido para este fim, que indica a gravidade da sonolência diurna, chamada escala de Epworth.
Dentre os inúmeros malefícios a longo prazo, a apneia do sono já foi inclusive relacionada a maior risco de demências, inclusive doença de Alzheimer, provavelmente pela redução do teor de oxigenação do cérebro e menor quantidade de sono REM. Já é bem definido que também aumenta o risco de AVC, infarto, hipertensão arterial e arritmias.
Os principais fatores de risco para desenvolver apneia obstrutiva do sono são:
- Sobrepeso / obesidade
- Ganho de peso recente
- Aumento da circunferência do pescoço
- Anatomia desfavorável das vias aéreas
- Retrognatismo (mandibula menor em relação à maxila – impressão de “queixo pequeno”)
- História familiar de apneia do sono
- Medicações indutoras do sono (principalmente benzodiazepínicos, como frontal, rivotril, lexotan) e analgésicos opióides
Diagnóstico:
Além de todos os dados clínicos já citados, frente à suspeita de apneia obstrutiva do sono, o exame mais indicado é a polissonografia diagnóstica. Classicamente ela é realizada em um laboratório do sono, no qual técnicos habilitados instalam monitores respiratórios, cardiológicos, de movimento do corpo e olhos e da atividade elétrica do cérebro.
Como maneira de simplificar o exame para diagnóstico de apneia do sono, tem-se utilizado, principalmente em tempos de pandemia, a polissonografia domiciliar. Suas vantagens são o menor custo para os pacientes e seguradoras de saúde, menos exposição do paciente, noite mais próxima do normal, sem múltiplos monitores. Contudo, é um teste um pouco menos sensível para casos leves de apneia do sono, além de não avaliar as ondas cerebrais por meio de eletroencefalograma e, portanto, pode não ser adequado para outros transtornos do sono. De acordo com o resultado do exames, a apneia do sono pode ser classificada como leve, moderada ou grave.
Tratamento:
Em casos mais leves, podem ser tentadas medidas como perda de peso, evitar posições que piorem a apneia e reduzir o consumo de álcool ou remédios que acentuam a condição. Existem também aparelhos orais que visam ajustar a posição da mandíbula e favorecer a passagem de ar pela via aérea.
O tratamento mais utilizado e eficaz para casos de apneia do sono moderada a grave é o CPAP (pressão positiva contínua nas vias aéreas). Como o próprio nome diz, este aparelho fornece uma pressão contínua de ar, que deve ser suficiente para que a via aérea permaneça pérvia. Para cada indivíduo, essa pressão é diferente, e é determinada por exame de polissonografia ou, no caso de aparelhos mais modernos, é reconhecida e ajustada automaticamente pelo próprio CPAP.
Para que o tratamento seja eficaz, é necessário que o paciente utilize regularmente o aparelho de CPAP, o que corresponde a usar por pelo menos 4 horas por noite em 70% dos dias. Esse uso pode ser monitorado pelo médico ou fisioterapeuta por meio de um chip que fica dentro do aparelho, ou até pode ser enviado diretamente do aparelho para o médico no caso de equipamentos mais recentes.
A baixa adesão ao CPAP infelizmente não é incomum, e geralmente ocorre por falta de informações sobre o tratamento ou mesmo pelo mau uso do aparelho ou máscara. Uma queixa bastante comum, por exemplo, é “boca seca”, que pode ser evitada com um umidificador. A utilização da máscara adequada para cada indivíduo também é importante, e para isso o paciente precisa ser bem instruído no momento da compra ou aluguel do equipamento.
Apesar de o investimento inicial ser alto, os benefícios do tratamento são rapidamente perceptíveis, com considerável melhora na qualidade de vida, do sono e redução do risco de doenças cardio e cerebrovasculares.
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