Existem exames capazes de diagnosticar a doença de Alzheimer? Construindo um diagnóstico.

Com o avanço da tecnologia na área da saúde, incluindo no que se refere a exames complementares, frequentemente os pacientes e seus familiares anseiam por realizar exames que respondam às suas dúvidas. Contudo, ainda que tenhamos muitos recursos auxiliares, a medicina ainda é uma arte. Digo isso porque não há nada mais importante para um diagnóstico bem feito do que somar informações, como detalhes sobre os sintomas atuais, informações prévias à doença, presença de comorbidades e outros sintomas, exame físico e cognitivo e, finalmente, exames complementares. As peças do quebra-cabeça devem se encaixar até que possamos ver com clareza o desenho (no caso, o diagnóstico). Cada peça faz a diferença, e às vezes elas demoram a surgir, ou até mesmo não surgem. Por isso, não se deve ter pressa em fazer um diagnóstico, e nem se angustiar por não ter um. A medicina é assim…

Acontece que, com todas as informações facilmente disponíveis em sites de busca e redes sociais, o médico é pressionado a dar respostas rápidas, diria imediatas. Os exames são importantes sim nessa busca por respostas, desde que se saiba quando e como pedi-los e interpretá-los. Por isso, antes de qualquer exame, é preciso que seja realizada uma boa e detalhada anamnese e exame físico. No caso das queixas cognitivas, existem muitas variáveis a serem avaliadas: desde o tempo dos sintomas, modo de início, prejuízos causados por eles, informações sobre sono, humor, avaliação de outras doenças. O exame cognitivo também é muito relevante e, para que seja realizado de maneira adequada, pode ser necessário mais de uma consulta. Só assim, com todas essas informações, é possível formular uma hipótese e, consequentemente, pedir os exames adequados para confirmá-la.

“Minha ressonância deu Alzheimer doutor?”, perguntam os familiares. Poucos sabem, mas um dos exames complementares mais utilizados nos casos de queixas cognitivas, a ressonância magnética do cérebro, não confirma ou exclui o diagnóstico da doença. Após responder: “não, a ressonância está normal”, muitas vezes é preciso “jogar um balde de água fria” e explicar que isso não exclui o diagnóstico de qualquer doença degenerativa, principalmente em fases mais leves de declínio cognitivo. É claro que a ressonância de um paciente com demência avançada estará alterada, mas mesmo assim as alterações não são específicas da doença de Alzheimer, podendo estar presentes em outras condições.

Na maioria das vezes, o objetivo dos exames complementares é excluir outras causas de declínio cognitivo que possam confundir o diagnóstico, como lesões vasculares do cérebro, tumores, infecções do sistema nervoso, processos imunomediados (auto-imunes), que podem ter prognóstico e tratamento diferentes da doença de Alzheimer. Alguns laboratórios mais qualificados chegam a medir o volume de estruturas do cérebro que estão relacionadas a certas funções, como é o caso da volumetria do hipocampo, região envolvida com o funcionamento da memória e, invariavelmente, afetada pela doença de Alzheimer. Esta informação, se avaliada de maneira adequada, pode ser um elemento adicional para a construção de um diagnóstico.

Queixas cognitivas também suscitam a solicitação de exames laboratoriais, que visam avaliar alterações metabólicas, infeciosas e doenças crônicas que possam afetar o desempenho cognitivo. Alguns exemplos são: desregulações hormonais (ex: da tireóide), deficiência de vitaminas do complexo B, diabetes descompensada, doenças infecciosas crônicas como hepatite virais e HIV, mau funcionamento de órgãos como rim e fígado.

Após essa avaliação inicial, caso o diagnóstico ainda não esteja claro, existem outros exames que podem auxiliar. Um dos mais usados é o PET-FDG (tomografia por emissão de pósitrons utilizando radiofármaco com um composto análogo da glicose), que avalia o metabolismo de diferentes regiões do cérebro, podendo mostrar alterações mais específicas de algumas doenças quando comparado à tomografia ou ressonância. No caso da doença de Alzheimer, o PET-FDG pode evidenciar redução do metabolismo cerebral em regiões relacionadas a funções cognitivas (principalmente memória). Outras doenças degenerativas, como demência por corpos de Lewy e demência frontotemporal, costumam causar redução de metabolismo em outras regiões do cérebro, permitindo diferenciá-las de maneira eficaz. Lembrando que medicina é uma arte, então existem armadilhas no uso do exame. Uma delas ocorre pela possibilidade de o indivíduo apresentar patologias cerebrais distintas simultaneamente, também chamado de demência mista. Não raramente, indivíduos com doença de Alzheimer podem ter demência vascular associada, ou até mesmo demência por corpos de Lewy. Além disso, quadros iniciais podem não ser detectados pelo exame, levando à falsa impressão de não se tratar de doença neurodegenerativa. Por isso, saber quando pedir o exame e como interpretá=lo de forma adequada, é essencial.

Nas últimas décadas (no caso do Brasil, na última década), tornou-se disponível um método mais direto de detecção das proteínas Beta-Amilóide e Tau, cujo acúmulo nos tecidos cerebrais faz parte do processo que leva à neurodegeneração na doença de Alzheimer. Por meio da quantificação destas proteínas no líquor (também conhecido como líquido cefalorraquidiano), há pontos de corte para cada uma delas que podem sugerir o diagnóstico de doença de Alzheimer. Apesar de parecer um bom exame, existem limitações ao seu uso, sendo a principal delas o fato de ser um exame invasivo, apesar de seguro. Além disso, a depender do método utilizado para a análise, sua acurácia não é muito alta, podendo-se tirar conclusões erradas se as informações clínicas não forem consideradas.

A boa notícia é que nos últimos meses tornou-se disponível no Brasil um exame com grande potencial de detecção do acúmulo da proteína beta-amilóide nos tecidos cerebrais, oPET-Amilóide. No momento, está disponível somente em um serviço de radiologia em São Paulo, porém nos próximos meses e anos, deverá ser possível encontrá-lo em outros laboratórios, inclusive de outras cidades e estados do país. Neste exame, injeta-se na corrente sanguínea um radiofármaco capaz de se ligar à proteína beta-amilóide, permitindo sua quantificação no cérebro. Novamente, a interpretação do exame deve ser cuidadosa, principalmente pela maior frequência de acúmulo desta proteína em indivíduos idosos, sem necessariamente causar demência ou neurodegeneração. Contudo, o exame negativo praticamente exclui o diagnóstico de doença de Alzheimer, já que os indivíduos portadores desta doença apresentam acúmulos da beta-amilóide no cérebro cerca de 15 a 20 anos antes do início dos sintomas. Esse é um dos motivos pelos quais o PET-Amilóide tem sido usado em estudos clínicos de remédios para tratamento da doença de Alzheimer, já que acredita-se em um potencial benefício das medicações desde que usadas antes do início dos sintomas ou no início deles. A principal limitação para seu uso em larga escala atualmente é o seu alto custo (não é coberto pelos convênios ou pelo SUS).

Concluindo, existem disponíveis exames que contribuem para o diagnóstico de doença de Alzheimer, ou sua exclusão, porém devem ser solicitados de maneira consciente, de modo a confirmar hipóteses clínicas. Sua interpretação exige conhecimento a respeito dos possíveis achados e dos aspectos clínicos e neuropatológicos das doenças, podendo desta forma, ser um aliado do médico e do paciente no caminho do diagnóstico.

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